Lu et approuvé.
M. Horta

Depoimentos, casos, tentativas de escrita...

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Uma história que salta

_Te encontro um dia desses em algum lugar.

Paris não é uma festa, já dizia o Caio. E não é mesmo. Te deixo a pensar no que nessa história de vidas. Porque foi o que a vizinha disse. No andar de cima Marie bate os sapatos de salto todos os dias às 23h, anunciando sua entrada triunfal na sua casa. No andar de baixo, é o rádio do Monsieur Gilbert que grita as notícias de uma França lida nos jornais do metrô todos os dias.
De minha parte, tenho a impressão de ser o mais normal do bairro. As crianças são inteligentíssimas. Falam um francês invejável, uma vez que são francesas. A casa palavrinha e sorriso, com os cabelos loiros por vezes, e os casaquinhos para proteger do frio.
E nada impede o sorriso infantil.
Mas dizia alguma coisa sobre Caio e vizinha. Ah, sim... lembrei. Aquele senhor do primeiro andar decidiu aprender acordeon nessa altura do campeonato. Achei válido e até parabenizei-o ontem quando passei pela portaria e ele entrava no prédio. Mas é claro que os seus vizinhos mais próximos, Marie e Caio não estão muito felizes. Ele é estrangeiro, estudante, com olhos de surpresa, cabelos no ponto de corte e um francês ainda meio arranhado. Ela trabalha no banco, elegante, charmosa, gosta de cozinha e tem uma tentativa, por vezes feliz, de ter alguma moda.
De mim não é importante saber nada. A não ser saber o que eu sei.

Ontem, já era 23h quando Marie chegou (não sei porque chega tão tarde todos os dias). O menino Caio chegou às 20h, saiu e voltou, às 21h com sacolas do mercado da esquina. Eu estava na janela desde às 16h esperando. Acontece que na hora que ela chegou e abriu a porta do apartamento encontrou um pequeno bilhete que dizia em francês o que traduzo pra vocês:

"Eu não aguento mais. E não sou francês. Não tenho como e nem sei dizer as palavras para pedir que o senhor do primeiro andar não toque mais. Você pode me ajudar? Ass. Caio. Sou o brasileiro do 2º andar."

Esse rapazinho mora no mesmo andar que eu. E Marie mora no terceiro. M. Gilbert é vizinho do Acordeonista. Eles não se incomodam um com o outro. A vizinha de Marie é espanhola e não é importante, pois vive viajando. Ele poderia ter pedido ajuda para mim que sou... Mas ele preferiu estreitar os laços com a vizinha. Diante do fato, nossa querida e educadíssima Marie lhe responde:

"Você pode vir no meu apartamento amanhã às 21h?"

Uh la la. Ela deixa o bilhete no outro dia de manhã, marcando o encontro para a próxima noite.

Caio acorda. Toma café da manhã. O de sempre: camembert com pão e leite com chocolate. Vai sair pra escola quando lê o bilhete. Ele corre e escreve num papel meio sem cuidado:

“Claro. Estarei lá.”

Ela chega, lê o bilhete e deixa pra ele escrito no dia seguinte:

“É hoje. Às 21h te espero.”

O rapazinho ficou meio nervoso. Intrigado. Fariam um plano? A vizinha já estava com vontade de fazer isso há muito tempo para convidá-lo para a casa dela para fazer uma armação logo? Ela era sozinha demais, depressiva demais e queria companhia? Ela tinha segundas intenções? Ela iria preparar alguma coisa para comer ou não? Ela estaria arrumada ou com roupa de ficar em casa? Ela estaria como? E o cabelo? E eu? (Indagou ele.) Como estarei? Com que roupa? Como alguma coisa antes de ir? Vou de calça jeans? De repente ele olha no relógio: 20:55h. Estava na hora.

Tranca sua casa com chave, pega as escadas e sobe. Chega no andar e o elevador abre. Marie chegava. Eles se olham. Ela olha no relógio rapidamente e sai. Ele vai atrás entrando no andar meio sem graça. Ela pára. Abre a porta. Olha pra trás e diz:

“Vem!”.

Ele entra. Ela entra. Ela fecha a porta com chave. Ele fica no meio (bem no meio) do apartamento sem saber o que fazer. Ela tinha compras. Ele quis ajudar mas eram duas sacolas e ninguém precisa de ajuda com duas sacolas. Ele não consegue ajudar. Ela está em silêncio. Ela diz meio esbaforida: _Senta! Ele senta no sofá róseo. Ele diz: “Te atrapalho?”

_Imagina! Fui eu que marquei essa hora.

_ Pois é. Mas se você quiser eu posso voltar mais tarde.

_ Não precisa, bobagem. Sem problemas. É que eu costumo chegar sempre mais tarde e o metrô estava um pouco cheio.

_ É normal nessa hora.

_ É, eu sei.

_ Então?

_ É.

_ É.

_ Ah, o acordeon... É isso que você quer olhar, não é?!

_É.

_ Olha ele é bem chato. Se a gente falar com ele é capaz de ele tocar mais só pra irritar. Ele um francês daqueles que você vê em filme. Mas daqui a pouco você acostuma. Não se preocupa. Eles têm essas manias. Daqui a pouco muda de mania e fica tudo bem.

_É. Mas... é...

_ Você aceita um vinho? Tive um dia pesado hoje, sabe? Com essa história de abertura de contas para estrangeiro nesse início de mês não paro um minuto.

_ (Sorriso seco. Concorda com a cabeça quando ela mostra a taça com vinho.)

_Você é estrangeiro, não é?! Caio. É assim que fala?

_ É. É. Brasileiro.

_ Sempre quis conhecer o Brasil.

_Verdade?

_ Verdade. Um brinde.

_Santé.

_ Santé.

_ Você não se importou de eu ter te chamado pra vir aqui, né?! Ah. Gosto de conhecer as pessoas que moram no andar de baixo. Por exemplo, não conheço seu vizinho. Pode ser que ele seja sozinho e poderia estar aqui agora com a gente se fóssemos amigos.

_É.

_ Ah eu falo muito, né?! Você conhece seu vizinho?

_ Só de vista.

_ Eu também. Engraçadinho ele, né?! Parece que sempre quer saber das nossas vidas. Acho que ele daria tudo pra saber da nossa conversa. Certamente ele observou que você subiu e está aqui.


Paremos no momento em que eles falam de mim. Observem como eles falam de mim e as considerações que fazem ao meu respeito, pois isso é tudo que vocês saberão...

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